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Direito Criminal


“NÃO EXISTEM LEIS”: Juiz rejeita tese de ‘abandono afetivo’ e condena homem por perseguir ex-mulher


Juri News em 06/09/2022


Pela falta de previsão legal, não é exigível que alguém justifique o término do relacionamento ao parceiro ou parceira. A inexigência, aliás, decorre do preceito constitucional do artigo 5º, inciso II, de que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”.

Apesar de óbvio, o juiz Anderson José Borges da Mota precisou destacar isso em uma sentença ao afastar a tese de “abandono afetivo” sustentada pela defesa de um homem acusado do crime de perseguição contra a ex-mulher. O réu foi condenado.

“Não existem leis em nosso país que obriguem qualquer pessoa a motivar um término de relacionamento, tampouco existem em nosso ordenamento jurídico causas que afastam a tipicidade, a ilicitude ou a culpabilidade da conduta de perseguir alguém caso a vítima não forneça alguma razão para o término do relacionamento”, frisou o titular da 1ª Vara do Foro de Jacupiranga (SP).

Quanto ao mérito, o julgador considerou o conjunto probatório “robusto” para a condenação do acusado.

Em suas alegações finais, o advogado do réu negou a prática conhecida por stalking, descrita no artigo 147-A do Código Penal, com a justificativa de que o acusado apenas queria ouvir da vítima explicações sobre fim da relação.

“Se o réu foi ou não vítima de abandono afetivo pela vítima, sua condição de agressor não se desqualifica. Com efeito, a ausência de motivação para o término de relação amorosa não enseja a descriminalização da conduta de perseguição prevista pelo artigo 147-A, do Código Penal”, anotou o juiz.

Segundo a vítima, o relacionamento com o acusado durou cerca de três anos e terminou porque ele a acusou de traição e começou a agir de modo violento. O casal não teve filhos e, após o fim da relação, o réu passou a perseguir a ex-mulher durante o trajeto dela do trabalho para casa, exigindo que ela reatasse. Ocorreram pelo menos cinco abordagens e, na mais grave, o homem avançou com o carro na direção da ex-companheira, quase atropelando-a.

O réu minimizou a sua conduta ao ser interrogado em juízo, afirmando que a sua intenção era obter uma “resposta definitiva” da vítima sobre o motivo da separação, pois até hoje não a possui e se sente “invisível” com o suposto descaso. Essa versão, no entanto, não convenceu o juiz, para quem “o stalking é uma prática perigosa porque, além da invasão de privacidade e da perseguição, pode levar à morte da vítima em casos extremos”.

DANO MORAL

O julgador condenou o réu a nove meses de reclusão, em regime aberto, e suspendeu a pena por dois anos. Conforme a sentença, a sanção será extinta ao final desse período se o acusado se submeter, no primeiro ano de suspensão, à condição legal de prestação de serviços à comunidade em entidade a ser determinada pelo juízo de execuções.

Mota também julgou procedente o pedido do Ministério Público para condenar o acusado a pagar indenização mínima de R$ 1 mil à vítima. “Temer por sua integridade física e até mesmo por sua vida está longe de ser confundido com mero aborrecimento cotidiano, pelo que se justifica, nos termos do artigo 387, inciso IV, do Código de Processo Penal a fixação da indenização pecuniária pleiteada”. A defesa recorreu da decisão.