ARTIGOS

Direito de Família e Sucessões


Traição no casamento pode acarretar indenização por danos morais?


IBDFAM em 17/06/2021


O adultério deixou de ser crime há mais de 15 anos, quando a Lei 11.106/2005 tirou do Código Penal a pena de quinze dias a seis meses de detenção para a prática. A revogação representou, à época, uma importante mudança para o Direito das Famílias. Contudo, as traições não foram abolidas das relações contemporâneas, tampouco os casos deixaram de chegar à Justiça.

Na semana passada, a 4ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro – TJRJ negou o pedido de indenização por danos morais a uma mulher que afirmou ter sido abandonada pelo marido, com quem viveu por 30 anos, por conta de um relacionamento extraconjugal. A alegação da autora da ação foi de que o ocorrido gerou abalo emocional, amargura, desilusão e também desamparo material.

Para o desembargador relator do processo, o adultério causa “indizível sentimento de frustração e de fracasso afetivo”, mas, em uma sociedade de “relacionamentos líquidos”, não atraem sanção moral quando descumpridos. Segundo o magistrado, a responsabilização civil só é válida em situações vexatórias de humilhação ou ridicularização da vítima, o que não ficou comprovado no caso concreto.

Deveres conjugais segundo Código Civil

O advogado e professor Gustavo Henrique Velasco Boyadjian, vice-presidente do Núcleo Uberlândia do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, lembra que o artigo 1.566 do Código Civil arrola os deveres conjugais. “Logo em seu inciso primeiro é feita menção à fidelidade recíproca. Todos os deveres conjugais, por óbvio, incluindo a fidelidade recíproca, se traduzem em padrões comportamentais. Têm ligação com a boa fé objetiva”, destaca.

Segundo o especialista, a quebra da fidelidade entre cônjuges pode ensejar dever indenizatório de cunho moral na hipótese de “restar devidamente comprovada, durante a instrução processual, a ocorrência de situação vexatória, de exposição da infidelidade conjugal em nível que transcenda a figura dos próprios cônjuges, ou seja, de dano que vá além da dor decorrente exclusivamente do fim do afeto”.

“Conforme restou observado na decisão proferida pelo TJRJ, vivemos uma época de ‘relacionamentos líquidos’. A simples constatação da infidelidade e da ruptura da relação familiar, mesmo em razão de inobservância da fidelidade, não tem o condão de ensejar dever ressarcitório por dano moral”, comenta o advogado.

Pedidos na Justiça são frequentes

De acordo com Gustavo Velasco, casos como o analisado pelo TJRJ têm se tornado frequentes. “É comum o ajuizamento de ações judiciais em que são pretendidas indenizações de cunho moral decorrentes da quebra de deveres conjugais ou convivenciais”, observa o especialista.

Ele diz que os tribunais brasileiros, incluindo o Superior Tribunal de Justiça – STJ, passaram a aplicar habitualmente a responsabilização por danos morais em casos de família. Contudo, não é aplicada em todas as situações de infidelidade, a depender das especificidades do caso concreto.

“Observe-se que as peculiaridades decorrentes da relação familiar devem ser consideradas pelo órgão julgador. O relacionamento afetivo entre cônjuges mitiga as consequências jurídicas de determinados atos. Se eventual lesão surgiu unicamente pelo fim do afeto, a nosso ver, resta afastada a hipótese de indenização”, defende Gustavo.

Infecções sexualmente transmissíveis

Em artigo recente para a Revista Científica do IBDFAM, o advogado e professor trata da responsabilidade civil decorrente da quebra dos deveres conjugais em casos de transmissão de infecções sexualmente transmissíveis – ISTs. O texto é assinado em parceria com a estudante Cristiane Guerin Alves, também membro do IBDFAM.

“Quando a inobservância de algum dos deveres conjugais ou convivenciais enseja dano, seja ele material, moral ou estético, é inegável o surgimento de obrigação ressarcitória em desfavor de seu causador, observados, por óbvio, os elementos ensejadores da responsabilização civil”, destacou o autor, ao comentar o tema do artigo, em maio.

Segundo ele, a indenização também pode ser pleiteada quando o transmissor da infecção não é cônjuge. Nesses casos, afasta-se a análise sob a ótica do Direito das Famílias. “Uma eventual indenização decorreria da comprovação dos elementos que ensejam a responsabilidade civil (ação ou omissão do agente, dano e nexo de causalidade), devendo ser aplicadas as regras gerais do Código Civil (artigos 186 e 187), que remetem à obrigação de indenizar (com regulamentação prevista a partir do art. 927, também do Código Civil)”, explica.

Fonte: ibdfam.org.br