ARTIGOS

Direito Tributário


A coisa julgada e o ipi na revenda de importados


Valor Econômico em 30/09/2020


A segurança jurídica do direito adquirido, do ato jurídico perfeito e da coisa julgada estão hoje em xeque e também estão nas mãos do STF.

Conforme amplamente divulgado, o Supremo Tribunal Federal (STF), no dia 21 de agosto, finalizou o julgamento do RE 946648, com repercussão geral, entendendo, por maioria de votos (seis a quatro), pela constitucionalidade da incidência de IPI na revenda de produtos importados por estabelecimento importador, mesmo quando não há nenhum tipo de industrialização dos produtos importados antes da sua revenda no mercado nacional.

Ou seja, o julgamento foi concluído de forma desfavorável aos contribuintes, que defendiam a incidência de IPI apenas em uma etapa da operação de importação para revenda, qual seja, no desembaraço aduaneiro, mas não na segunda, isto é, na saída para comercialização no mercado nacional.

A segurança jurídica do direito adquirido, do ato jurídico perfeito e da coisa julgada estão nas mãos do Supremo.

Dessa forma, a tese de repercussão geral fixada estabeleceu que “é constitucional a incidência do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) no desembaraço aduaneiro de bem industrializado e na saída do estabelecimento importador para comercialização no mercado interno”, apresentada pelo ministro Alexandre de Moraes e acompanhada pela maioria. O ministro relator, Marco Aurélio, saiu derrotado.

Agora, com o encerramento definitivo da questão, mais do que acompanhar a aplicação desse entendimento do STF nos diversos processos que ainda estão em curso, é importante focar nos seus reflexos no mercado, em especial para as empresas que possuem decisão favorável em sentido contrário e já transitadas em julgado.

Sob o argumento de potencial desequilíbrio no mercado e necessidade de tratamento isonômico a todos os contribuintes, a Fazenda Nacional vem tentando a reversão dessas decisões já transitadas em julgado a favor de alguns contribuintes, por mais absurdo que possa parecer. E isso porque a Constituição Federal estabelece a coisa julgada como verdadeira garantia constitucional, vedando, expressamente, que qualquer lei (ou o Poder Judiciário) prejudique os seus efeitos (CF, artigo 5º, XXXVI).

Além da Constituição, o nosso Código de Processo Civil (CPC) também confere, de forma expressa, garantia à coisa julgada, conceituando-a como “autoridade que torna imutável e indiscutível a decisão de mérito não mais sujeita a recurso”.

Portanto, a relativização dessa garantia seria algo ilegal e inconstitucional. Não obstante à clareza desse entendimento, fato é que a segurança jurídica do direito adquirido, do ato jurídico perfeito e da coisa julgada estão hoje em xeque e também estão nas mãos do STF, que analisará a questão quando do julgamento dos RE 949297 (repercussão geral – tema 881) e RE 955227 (repercussão geral – tema 885).

No primeiro RE, o STF analisará os “limites da coisa julgada em matéria tributária, diante de julgamento que declara a constitucionalidade de tributo anteriormente considerado inconstitucional por decisão transitada em julgado”. Já no segundo RE serão analisados os “efeitos das decisões do STF sobre a coisa julgada nas relações tributárias de trato continuado”.

Vale destacar que a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) já apresentou parecer ao Poder Judiciário (Parecer PGFN/CRJ nº 492, de 2011) sustentando, em resumo, que “o advento de precedente objetivo e definitivo do STF configura circunstância jurídica nova apta a fazer cessar a eficácia vinculante das anteriores decisões tributárias transitadas em julgado que lhe forem contrárias”.

A questão a ser respondida pelo STF é a seguinte: é possível admitir que modificações no direito tenham o poder de cessar os efeitos prospectivos (para o futuro) das sentenças transitadas em julgado que regulam relações jurídicas de trato continuado (situações que manifestam uma continuidade no tempo, a exemplo do IPI e da maioria das relações tributárias sucessivas)?

Caso a resposta seja positiva, tal decisão terá o efeito de fazer com que uma outra decisão transitada em julgado deixe de ter força entre as partes, sujeitando-as ao novo entendimento, desprezando-se todo o processo legítimo movido e resolvido no passado em última análise e não sujeito a recurso.

Como se vê, a indefinição quanto aos limites da coisa julgada somente terá fim com os julgamentos pelo STF dos dois recursos citados acima, colocando fim à disputa de princípios entre a Fazenda Nacional, que defende a igualdade entre todos, e os contribuintes, que defendem a segurança jurídica da coisa julgada.

E toda essa discussão impacta diretamente a questão objeto do RE 946648 – IPI na revenda de produtos importados – dada a sabida existência de empresas com determinação judicial pela não incidência de IPI na saída de produtos importados por força de decisões judiciais transitadas em julgado.

Contudo, mais do que essa questão pontual, as decisões do STF nos recursos mencionados impactarão outras situações análogas e, mais ainda, a própria garantia constitucional da coisa julgada e da segurança jurídica, daí sua extrema relevância e necessidade de acompanhamento de perto.

FONTE: Valor Econômico – Por André Pacini Grassiotto- 25 de setembro de 2020

https://valor.globo.com/legislacao/noticia/2020/09/25/a-coisa-julgada-e-o-ipi-na-revenda-de-importados.ghtml