ARTIGOS

Direito de Família e Sucessões


Justiça autoriza inscrição de “sexo não especificado” em registro de pessoa não-binária

A sentença é da 1ª Vara de Família da Ilha do Governador, no Rio de Janeiro


IBDFAM em 23/09/2020


Em decisão inovadora, a Justiça do Rio de Janeiro autorizou uma pessoa não-binária, que não se identifica com o gênero feminino nem masculino, a ter em sua certidão de nascimento “sexo não especificado”. A sentença é da 1ª Vara de Família da Ilha do Governador. O Ministério Público estadual deu parecer favorável ao pedido, o que significa que não haverá recurso.

A autora da ação – que prefere ser tratada com os pronomes femininos – procurou a Defensoria Pública do Rio de Janeiro em 2015. Sua intenção, inicialmente, era fazer a mudança de nome, mas também pleiteou a alteração do gênero nos registros após ser informada dessa possibilidade.

Desde a infância, ela não se identificava com os gêneros masculino e feminino. Quando passou a utilizar vestimentas e acessórios femininos, sofreu com a rejeição do pai. Na fase adulta, o simples preenchimento de um formulário lhe causava sofrimento, já que se recusava a escolher entre os gêneros feminino ou masculino. “Tudo ligado ao gênero masculino me remete a algo opressivo”, relatou, em entrevista ao jornal O Globo.

Em sua análise, o juiz Antonio da Rocha Lourenço Neto afirmou que “o direito não pode permitir que a dignidade da pessoa humana do agênero (pessoa sem gênero) seja violada sempre que o mesmo ostentar documentos que não condizem com sua realidade física e psíquica”.

Subnotificação de homofobia e transfobia

A diversidade sexual ainda enfrenta desafios no ordenamento jurídico brasileiro. Além da garantia de direitos relativos ao registro civil, a população LGBTI+ lida com um contexto de discriminação e violência. Há um ano, em 13 de junho de 2019, o Supremo Tribunal Federal – STF decidiu pela criminalização da homofobia e da transfobia, com a aplicação da Lei do Racismo (7.716/1989). O julgamento teve o Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM como amicus curiae.

Reportagem do Jornal Nacional, da TV Globo, exibida no último sábado (19), mostrou que a aplicação da lei encontra várias barreiras, que levam à subnotificação de casos. Transexuais e travestis têm medo de sofrer uma revitimização no comparecimento à delegacia para denunciar agressões e ameaças. Agentes públicos nem sempre são devidamente treinados para lidar com esses casos.

A reportagem do JN questionou todos os estados para saber quantos casos de homofobia e transfobia foram registrados no primeiro ano após a decisão do STF. Apenas 15 estados e o Distrito Federal informaram as estatísticas: juntos, tiveram 161 denúncias em delegacias, além da subnotificação.

Em junho, quando o julgamento do STF completou um ano, a vice-presidente do IBDFAM, Maria Berenice Dias, comentou que, apesar ter sido um “passo gigantesco”, a decisão por si só não basta. “Muito da violência contra a população LGBTI vem por parte das autoridades policiais, que ainda precisam de uma capacitação para saber acolher e respeitar essas pessoas. Muitos têm medo de serem revitimizados quando comparecerem a uma delegacia de polícia para alguma denúncia.”

O avanço propiciado pelo STF é tão significativo quanto frágil, segundo a advogada: “Orientações jurisprudenciais podem eventualmente ser alteradas, já que a composição dos tribunais muda”. Ela ressaltou a importância de uma legislação que assegure a devida proteção dessa comunidade vulnerável. Leia a entrevista na íntegra.

Ensino de gênero

Estão pautadas para 11 de novembro, no STF, ações que discutem a constitucionalidade de leis municipais e estaduais que proíbem a inclusão de expressões relacionadas a ideologia, identidade e orientação de gênero nas escolas públicas. O tema é objeto das Arguições de Descumprimento de Preceito Fundamental – ADPF 462, 466 e 578, bem como da Ação Direta de Inconstitucionalidade – ADI 5668.