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Direito do Trabalho


‘Escravos de ganho’: Uber reproduz antigas relações servis, afirma desembargador do TJ-SP


Juri News em 04/03/2022


Ao julgar apelação de um motorista que foi descredenciado unilateralmente da plataforma de aplicativos Uber, sem direito de defesa, um magistrado identificou nessa prática resquícios das antigas formas de exploração dos escravos urbanos.

“Pretender auferir ganhos sem assumir responsabilidades, relegando-a ao prestador de serviço, em relação subordinada de trabalho, remete não aos padrões contemporâneos de civilização, mas ao passado triste de relações servis, de que foram exemplo, em nossa história, os chamados ‘escravos de ganho’, no meio ambiente urbano”, votou o desembargador Alfredo Attié, do Tribunal de Justiça de São Paulo.

Maycom Henrique Machado, de Bauru (SP), alegou à Justiça que, após exercer durante um ano o trabalho de motorista cadastrado, foi descredenciado da plataforma de aplicativos da Uber do Brasil Tecnologia Ltda. sem qualquer comunicação ou justificativa prévia.

Machado afirmou que teve o seu acesso ao aplicativo bloqueado, passando por diversas dificuldades financeiras desde então.

A Uber confirmou nos autos o descredenciamento unilateral em razão de uma reclamação de usuário, que teria ficado inseguro com erros de percurso. Também teria pesado na decisão da empresa a existência de duplicidade de contas.

Na primeira instância, o juízo entendeu que “embora a avaliação do autor no geral seja satisfatória, basta para o descumprimento dos termos do uso, a ocorrência de um comentário negativo”.

Attié entendeu que houve abuso do direito e violação à boa-fé objetiva. O autor comprovou ter ótimas avaliações, registrou. “A ré não trouxe qualquer prova a justificar a razoabilidade da exclusão do autor, como, por exemplo, a própria rota realizada e a sua duração ou maiores detalhes do relato do usuário.”

O recurso foi parcialmente provido em julgamento realizado na 27ª Câmara de Direito Privado do TJ-SP.

A Câmara decidiu que a empresa deverá reativar a conta no aplicativo, no prazo de 45 dias, e conceder o direito de defesa, podendo aplicar medida mais branda, sob pena de multa diária de R$ 500,00, limitada inicialmente a R$ 10 mil. Foram rejeitados os demais pedidos (lucros cessantes e danos morais).